Sem exigência médica, a pessoa pode dispor de seu corpo com a diminuição permanente de sua integridade física? Blog Ana Lucia Nicolau - Advogada Sem exigência médica, a pessoa pode dispor de seu corpo com a diminuição permanente de sua integridade física?

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Sem exigência médica, a pessoa pode dispor de seu corpo com a diminuição permanente de sua integridade física?

Direito Civil
Pessoa dispor do próprio corpo - Foto: Estoque PowerPoint

Pessoa dispor do próprio corpo

O artigo 13 do Código Civil estabelece normas sobre a disposição do próprio corpo, trazendo importantes limitações e condições específicas para essa prática.

O texto determina que, salvo por exigência médica, é defeso (proibido) o ato de disposição do próprio corpo, quando este gerar diminuição permanente da integridade física ou contrariar os bons costumes.

A expressão "defeso o ato de disposição do próprio corpo" refere-se à proibição de uma pessoa dispor, ou seja, realizar atos que envolvam o uso ou modificação de seu próprio corpo, de maneira que resulte em uma redução permanente de sua integridade física ou que vá contra os padrões éticos e morais vigentes, os chamados "bons costumes".

Em termos práticos, isso significa que ações como a mutilação voluntária ou a realização de intervenções que afetem de forma irreversível o corpo humano não são permitidas, a menos que tenham uma justificativa médica clara e adequada.

A legislação busca proteger a integridade física e moral das pessoas, garantindo que o corpo humano não seja tratado apenas como um objeto de disposição pessoal sem observar critérios éticos e legais.

Exceções previstas pela lei

Embora o artigo 13 apresente uma regra geral de proibição, ele também prevê exceções. O parágrafo único desse artigo de lei estabelece que o ato será admitido para fins de transplante, desde que realizado em conformidade com uma lei especial que regulamenta tal procedimento.

 Isso reflete o entendimento de que a doação de órgãos ou partes do corpo, quando realizada dentro dos limites legais e éticos, é permitida e pode ser um ato de solidariedade e auxílio ao próximo.

Um aspecto relevante do artigo é a menção à "exigência médica" como condição que pode legitimar a disposição do próprio corpo.

Isso se aplica, por exemplo, a situações em que uma intervenção médica é necessária para proteger a vida ou a saúde da pessoa, ainda que a ação resulte em diminuição permanente da integridade física.

Casos de cirurgia para amputação de membros devido a doenças graves ou acidentes são exemplos práticos desse conceito.

A permissão para disposição do corpo em razão de transplantes está diretamente relacionada à legislação especial que regulamenta esse campo.

No Brasil, a Lei nº 9.434/1997 dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento.

Ela estabelece critérios rigorosos para garantir que tais atos sejam realizados com consentimento válido, em ambiente seguro e de forma ética.

Os bons costumes

Outro ponto central do artigo 13 é a menção aos chamados bons costumes. Essa expressão, embora aparentemente vaga, carrega um peso significativo no contexto jurídico, por estar diretamente ligada aos valores éticos e morais aceitos pela sociedade em um determinado momento histórico e cultural.

Trata-se de uma categoria fluida, moldada por tradições, hábitos e convenções sociais que evoluem ao longo do tempo.

A proteção dos bons costumes não se restringe à esfera privada, mas reflete um interesse coletivo na preservação de um mínimo ético comum, que garanta a convivência social harmoniosa.

Assim, o ordenamento jurídico busca coibir não apenas práticas que atentem contra a integridade física da pessoa, como a violência ou o abandono, mas também condutas que, embora não provoquem danos físicos diretos, possam ofender o senso comum de moralidade e decoro.

Esse cuidado se revela essencial para garantir o equilíbrio entre os direitos individuais, como a liberdade de expressão, de comportamento ou de crença, e a proteção do espaço social em que tais direitos se manifestam. 

Em outras palavras, o exercício pleno da autonomia pessoal deve respeitar os limites impostos pela convivência em sociedade.

Importante ressaltar que o conceito de bons costumes não é absoluto, tampouco imune a críticas.

Em nome dele, já se tentou justificar, em períodos passados, práticas discriminatórias ou repressivas. Por isso, cabe ao intérprete do Direito, especialmente ao juiz, o dever de aplicar essa cláusula com ponderação, buscando sempre o equilíbrio entre o valor social da convivência e o respeito à dignidade da pessoa humana.

Considerações finais

O artigo 13 do Código Civil, ao proibir a disposição do próprio corpo em determinadas circunstâncias, reafirma o compromisso do ordenamento jurídico com a proteção da dignidade humana, da integridade física e dos valores sociais.

A expressão "defeso o ato de disposição do próprio corpo" encapsula essa ideia, deixando claro que o corpo humano não pode ser tratado de forma irrestrita, mas deve estar sujeito a limitações éticas e legais.

Entretanto, ao permitir exceções, como nos casos de exigência médica e transplantes, o artigo demonstra flexibilidade para lidar com situações de necessidade e solidariedade, sempre observando critérios que garantam a segurança e a ética nos procedimentos.

Assim, o texto serve como base para a proteção dos direitos humanos e das normas sociais, promovendo um equilíbrio entre o individual e o coletivo.

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